Texto muito interessante escrito por Lak Lobato, a acessibilidade vai muito além:
"Outro dia, conversava com uma amiga e ela me perguntou algo interessante: Por que você tem tanta necessidade de falar sobre um grupo que nem parece precisar de tantas coisas assim?
Apesar da minha surpresa – seguida de uma breve torcida de nariz – observei que, do ponto de vista das pessoas comuns, pode realmente parecer que os surdos oralizados não precisam de grandes adaptações.
Nós não precisamos de mudanças na arquitetura dos locais, tampouco precisamos de vários softwares que nos descrevem as coisas (só precisamos de legenda). Não precisamos que aprendam outro idioma para falar conosco. Só que adaptem a maneira de falar às nossas condições.
E também não somos um grupo totalmente homogêneo, há que ouça um pouco mais, quem entenda um pouco melhor, quem fale com uma voz perfeita. E quem não ouça nada, não entenda muito bem e fale com uma voz difícil de ser compreendida. Portanto, não dá pra basear toda a causa dos oralizados naquele surdo oralizado que tal pessoa conhece. No caso da minha amiga, eu…
A maior necessidade dos surdos oralizados é ter reconhecimento. Não somos menos deficientes que qualquer outra pessoa com deficiência. Nossa deficiência não é “menor” ou “menos importante”. Ela não deveria ser negligenciada nem passar despercebida. E tampouco, ser resolvida a base de “dá-se um jeitinho”.
Surdos oralizados são deficientes auditivos e, por terem déficit na audição, precisam de adaptações para realizar atividades que ouvintes realizam com facilidade. Mas, o engraçado é que as pessoas acham que “ouvinte” sempre significa pessoas sem deficiência apenas. Cegos estão entre ouvintes, cadeirantes também. O fato de alguém não ter essa deficiência ou não precisar dessa adaptação não torna a pessoa necessariamente melhor ou pior. Deficiência auditiva é uma característica de quem não ouve, não um atestado de idoneidade de caráter ou pilar de personalidade, não somos todos iguais, apenas temos necessidades similares, que são elas:
- Uso de aparelhos e/ou implantes auditivos. E para usar tais aparelhos e implantes, precisamos de acessibilidade ao tratamento fonoaudiológico. E de acessibilidade na compra de pilhas e baterias dos aparelhos e implantes. E de preço acessível para manutenção destas próteses que nos dão acesso ao som. Nada disso é barato e muita gente não consegue manter os aparelhos.
- Informação ao mundo de que deficiência auditiva não é sinônimo de língua de sinais. Os usuários da LIBRAS terem conseguido regulamentação de intérpretes de LIBRAS em sala de aula é um passo excelente e importantíssimo. Mas, ela não é a única adaptação de acessibilidade necessária de ser considerada. Quem não tem afinidade ou fluência na língua de sinais ainda precisa de adaptações em sala de aula. Já falei sobre os tipos de adaptações mais adequados aos surdos oralizados aqui na minha coluna, nos textos Aulas Adaptadas, Aulas Adaptadas 2 e até entrevistei um intérprete oralista, que é mais indicado aos surdos oralizados, já que mantém a “tradução simultânea” no idioma que usamos: o português.
- Acessibilidade a bancos. Muitos serviços bancários são feitos somente por telefone e a alternativa que nos oferecem é um serviço através de um aparelho que praticamente nenhum surdo tem, o TS (telefone de surdos, que é obsoleto em tempos de email, chat e SMS) e que tampouco realiza todos os serviços feitos por telefone. A solução que nos oferecem é ir na agência, onde muito gerente grosseiro fica de má vontade de resolver algo que teoricamente deveria ser resolvido por telefone ou optar por cometer fraude, com um terceiro se passando por nós (e tendo acesso a todos os nossos dados), o que só é válido para quem tem alguém de confiança para tanto.
- Legenda em todos os meios de entretenimento: teatro, cinema, tv aberta e tv a cabo. Legenda em teatro é raro. Mas, até pouco tempo atrás, havia bastante opção de legenda em filmes e na tv paga. Agora, parece haver um movimento de dublagem sem qualquer opção de legenda, o que está deixando muita gente que gosta de legenda, insatisfeito. Mas, nós que dependemos da legenda, estamos ficando sem opção de entretenimento mesmo!!
- Falta de acessibilidade em aeroporto. O que já soube de gente que perdeu o vôo pela mudança de portão de embarque sem qualquer aviso visual, por não ouvir o anuncio do alto-falante, não é brincadeira. Isso acontece até com ouvintes distraídos, o que dizer de surdos oralizados que simplesmente não conseguem ouvir tais avisos?
- SMS de emergência exigir um cadastro numa associação de surdos – ainda não existe nenhuma associação representando os oralizados, portanto, a maioria não tem cadastro nas associações que representam o usuário da LIBRAS – e não na internet, o que seria mais adequado para os tempos atuais. Imagine viver sem poder chamar a polícia, bombeiros ou uma ambulância, em caso de necessidade?
Muitos desses direitos são ignorados simplesmente porque a maioria não sabe que surdos oralizados existem. Acha que surdos-mudos resumem todos os deficientes auditivos e que basta divulgar a existência deste grupo para “cumprir o dever de citar a deficiência auditiva”. Não é bem assim. Falta informar sobre a diversidade dos deficientes auditivas e, por tabela, dar acessibilidade de acordo com as necessidades intrínsecas de cada grupo. Só assim, se pode falar em acessibilidade real!
Por essas e por outras, que é importante falar do nosso grupo, especificamente.”
Fonte: http://www.acessibilidadetotal.com.br/por-que-e-importante-divulgar-a-existencia-dos-surdos-oralizados/
"Outro dia, conversava com uma amiga e ela me perguntou algo interessante: Por que você tem tanta necessidade de falar sobre um grupo que nem parece precisar de tantas coisas assim?
Apesar da minha surpresa – seguida de uma breve torcida de nariz – observei que, do ponto de vista das pessoas comuns, pode realmente parecer que os surdos oralizados não precisam de grandes adaptações.
Nós não precisamos de mudanças na arquitetura dos locais, tampouco precisamos de vários softwares que nos descrevem as coisas (só precisamos de legenda). Não precisamos que aprendam outro idioma para falar conosco. Só que adaptem a maneira de falar às nossas condições.
E também não somos um grupo totalmente homogêneo, há que ouça um pouco mais, quem entenda um pouco melhor, quem fale com uma voz perfeita. E quem não ouça nada, não entenda muito bem e fale com uma voz difícil de ser compreendida. Portanto, não dá pra basear toda a causa dos oralizados naquele surdo oralizado que tal pessoa conhece. No caso da minha amiga, eu…
A maior necessidade dos surdos oralizados é ter reconhecimento. Não somos menos deficientes que qualquer outra pessoa com deficiência. Nossa deficiência não é “menor” ou “menos importante”. Ela não deveria ser negligenciada nem passar despercebida. E tampouco, ser resolvida a base de “dá-se um jeitinho”.
Surdos oralizados são deficientes auditivos e, por terem déficit na audição, precisam de adaptações para realizar atividades que ouvintes realizam com facilidade. Mas, o engraçado é que as pessoas acham que “ouvinte” sempre significa pessoas sem deficiência apenas. Cegos estão entre ouvintes, cadeirantes também. O fato de alguém não ter essa deficiência ou não precisar dessa adaptação não torna a pessoa necessariamente melhor ou pior. Deficiência auditiva é uma característica de quem não ouve, não um atestado de idoneidade de caráter ou pilar de personalidade, não somos todos iguais, apenas temos necessidades similares, que são elas:
- Uso de aparelhos e/ou implantes auditivos. E para usar tais aparelhos e implantes, precisamos de acessibilidade ao tratamento fonoaudiológico. E de acessibilidade na compra de pilhas e baterias dos aparelhos e implantes. E de preço acessível para manutenção destas próteses que nos dão acesso ao som. Nada disso é barato e muita gente não consegue manter os aparelhos.
- Informação ao mundo de que deficiência auditiva não é sinônimo de língua de sinais. Os usuários da LIBRAS terem conseguido regulamentação de intérpretes de LIBRAS em sala de aula é um passo excelente e importantíssimo. Mas, ela não é a única adaptação de acessibilidade necessária de ser considerada. Quem não tem afinidade ou fluência na língua de sinais ainda precisa de adaptações em sala de aula. Já falei sobre os tipos de adaptações mais adequados aos surdos oralizados aqui na minha coluna, nos textos Aulas Adaptadas, Aulas Adaptadas 2 e até entrevistei um intérprete oralista, que é mais indicado aos surdos oralizados, já que mantém a “tradução simultânea” no idioma que usamos: o português.
- Acessibilidade a bancos. Muitos serviços bancários são feitos somente por telefone e a alternativa que nos oferecem é um serviço através de um aparelho que praticamente nenhum surdo tem, o TS (telefone de surdos, que é obsoleto em tempos de email, chat e SMS) e que tampouco realiza todos os serviços feitos por telefone. A solução que nos oferecem é ir na agência, onde muito gerente grosseiro fica de má vontade de resolver algo que teoricamente deveria ser resolvido por telefone ou optar por cometer fraude, com um terceiro se passando por nós (e tendo acesso a todos os nossos dados), o que só é válido para quem tem alguém de confiança para tanto.
- Legenda em todos os meios de entretenimento: teatro, cinema, tv aberta e tv a cabo. Legenda em teatro é raro. Mas, até pouco tempo atrás, havia bastante opção de legenda em filmes e na tv paga. Agora, parece haver um movimento de dublagem sem qualquer opção de legenda, o que está deixando muita gente que gosta de legenda, insatisfeito. Mas, nós que dependemos da legenda, estamos ficando sem opção de entretenimento mesmo!!
- Falta de acessibilidade em aeroporto. O que já soube de gente que perdeu o vôo pela mudança de portão de embarque sem qualquer aviso visual, por não ouvir o anuncio do alto-falante, não é brincadeira. Isso acontece até com ouvintes distraídos, o que dizer de surdos oralizados que simplesmente não conseguem ouvir tais avisos?
- SMS de emergência exigir um cadastro numa associação de surdos – ainda não existe nenhuma associação representando os oralizados, portanto, a maioria não tem cadastro nas associações que representam o usuário da LIBRAS – e não na internet, o que seria mais adequado para os tempos atuais. Imagine viver sem poder chamar a polícia, bombeiros ou uma ambulância, em caso de necessidade?
Muitos desses direitos são ignorados simplesmente porque a maioria não sabe que surdos oralizados existem. Acha que surdos-mudos resumem todos os deficientes auditivos e que basta divulgar a existência deste grupo para “cumprir o dever de citar a deficiência auditiva”. Não é bem assim. Falta informar sobre a diversidade dos deficientes auditivas e, por tabela, dar acessibilidade de acordo com as necessidades intrínsecas de cada grupo. Só assim, se pode falar em acessibilidade real!
Por essas e por outras, que é importante falar do nosso grupo, especificamente.”
Fonte: http://www.acessibilidadetotal.com.br/por-que-e-importante-divulgar-a-existencia-dos-surdos-oralizados/